Cyber Psicólogos Como a psicologia vem usufruindo os avanços tecnologicos em sua área de atuação e lida hoje, dentro e fora da clínica com a Interação Humano-Computador
Alessandro Vieira do Reis
"Psicólogos trabalham com pessoas". Essa afirmação dificilmente será contestada. Talvez por isso possa soar estranho quando alguém fala de Psicologia aliada à Informática ou psicólogos trabalhando com tecnologias digitais. Sendo assim, um primeiro esclarecimento se faz oportuno: psicólogos não trabalham com computadores, pois esses são objeto de estudo de outros profissionais. Psicólogos trabalham com a interação humano-computador.
Um segundo esclarecimento: computadores podem ser vistos como tecnologias, aparelhos, máquinas; mas também como mídias, ou seja, dispositivos que dão suporte à comunicação humana. Ao psicólogo, portanto, não interessa o computador enquanto máquina, mas enquanto mídia. O objeto de trabalho do psicólogo na interação humanocomputador, portanto, é 1) como pessoas interagem com computadores e 2) a forma como pessoas interagem com pessoas, mediadas por computadores.
HISTÓRIA DA PSICOLOGIA & INFORMÁTICA A condição de possibilidade para Adorno, Horkheimer, dentre outros, de desenvolverem a chamada "Teoria Crítica" foi a profusão da mass media nos anos 1950. Décadas depois, uma forma de comunicação qualitativamente diferente adveio: a Internet. Ela se distingue das mídias de massa por ser interativa e permitir formas inéditas de autoria e publicação de conteúdos pelos próprios usuários.
A geração de teóricos que começou a falar dessas novas mídias teve Marshall McLuhan, sociólogo da tecnologia, como pioneiro. McLuhan falou das mídias como extensões do Homem, em 1964. Em 1980, uma psicóloga do MIT (Massachusetts Instituct of Technology - Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Sherry Turkle, estréia a discussão psicológica sobre a Informática ao teorizar sobre os muitos selfs permitidos pela comunicação digital em rede. Pouco depois, B. F. Skinner declara, em 1989, que o computador era a máquina de ensino ideal, ao mesmo tempo em que critica o "modelo computacional da mente" do Representacionismo Cognitivista, pelo qual o cérebro humano funciona de forma análoga a um computador interno que processa dados do mundo externo. (Para Skinner, o comportamento humano não podia ser reduzido a um sistema de informação).
Poucos anos depois, observamos o boom na Internet comercial e também o crescente interesse acadêmico pelo assunto. A segunda metade da década de 1990 marca o período onde se começa a pesquisar cada vez mais sobre como computadores mudariam as regras do jogo social da comunicação, da educação, da cultura etc.
Primeiramente, surgem estudos ergonômicos sobre problemas de uso das máquinas computacionais. Logo em seguida, questões psicossociais vêm à tona, como os fenômenos de net addiction e relacionamentos virtuais.
Em 2007, completamos cerca de uma década da popularização da Internet no Brasil e passamos por um momento crucial na pesquisa psicológica sobre essa mídia. Diversas questões ainda demandam respostas: "A terapia e velocidade de resposta. Aquilo que muitos pais pensam pode ser verdade: crianças que cresceram em um mundo com Internet podem ser intelectualmente diferentes, de alguma forma, das gerações anteriores, o que poderia demandar novas formas de ensino escolar.
RESOLUÇÕES DO CFP SOBRE A INTERNET Diante das diversas questões acadêmicas e profissionais suscitadas pelas novas mídias, o Conselho Federal de Psicologia brasileiro desenvolveu as seguintes resoluções para disciplinar a exploração da área: 1) a 2000_3 que regulamenta o atendimento psicoterapêutico à distância, mais tarde reformulada e ampliada pela 2005_12; e 2) a 2000_6 que cria a Comissão Nacional de Credenciamento e Fiscalização de Serviços de Psicologia pela Internet, órgão do CFP responsável por um selo de qualidade conferido a sites amigos da Psicologia.
Nos dias de hoje, a terapia à distância ainda se encontra em fase de testes, só podendo ser realizada em caráter experimental. Contudo, diversos outros serviços, como a Orientação Profissional, por exemplo, podem ser exercidos on-line. Em paralelo, cresce a prática da Telemedicina para diagnóstico e tratamento, inclusive na rede pública de saúde brasileira.
Os serviços que apresentam sinais de maior sucesso mercadológico na atualidade são os relacionados a ensino à distância, notoriamente a educação de adultos. Com o advento de testes informatizados, novas áreas tendem a crescer: o recrutamento e seleção à distância e a avaliação neuropsicológica.
O fato é que a depuração ética dessas novas práticas não parece acompanhar a velocidade dos avanços técnicos. Novas formas de fazer avaliação psicológica, como testes digitais à distância, ainda geram muitas controvérsias.
EFEITOS, APLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTO Hoje, observamos uma nova área de atuação para psicólogos em gestação. Chamá-la-ei simplesmente de "Interação Humano-Computador" (IHC), que na verdade é um nicho multidisciplinar de atuação. Sociólogos, psicólogos, engenheiros de software, designers e tantos outros profissionais fazem parte dessa iniciativa.
Mas como o psicólogo pode atuar com IHC? O que ele tem a oferecer? Quais competências são o seu diferencial em meio a tal multidisciplinaridade?
Para responder a isso, é preciso entender que a IHC pode ser segmentada em três partes: 1) estudo dos efeitos das mídias interativas em seus usuários (entram aqui diversos trabalhos sobre dependência da internet, relacionamentos on-line, comunidades virtuais etc); 2) aplicações das mídias interativas a serviços em Psicologia (terapia à distância, orientação profissional, testes digitalizados, seleções online, etc.); 3) o desenvolvimento de sistemas de informação e dispositivos (com destaque para a gestão de usabilidade, o design de ambientes de ensino, game design etc.). Dizendo de outra forma: o psicólogo que atua em IHC pode ter foco no aspecto Human (efeitos dos usos dos sistemas nos usuários), ou no Interaction (na interação usuário-sistema) ou no Computer (desenvolvimento de novos sistemas).
O grande filão de mercado da Psicologia, a Clínica, transita entre o foco Human e o Interaction. A área de Recursos Humanos se atém especialmente ao Interaction, interessada, por exemplo, no e-learning (que para muitos vai substituir o tradicional treinamento empresarial). Por fim, são raros os psicólogos que se dedicam a foco Computer, atuando, por exemplo, com a criação de ferramentas e ambientes virtuais. Mas está aqui certamente um filão do mercado, de excelente potencial, a ser explorado por esta nova geração de cyberpsicólogos: a procura por psicólogos para atuar em equipes multidisciplinares com designers, cientistas da computação e afins tem crescido em universidades e empresas pelo mundo afora.
A seguir, falo sobre as três ênfases possíveis que os psicólogos podem dar ao fenômeno IHC. A intenção é que esses profissionais (ou os ainda aspirantes a psicólogos) possam trilhar novos caminhos, e uma nova carreira ou área de atuação possa surgir.
O FOCO HUMAN Mesmo os profissionais não interessados em tecnologias digitais certamente se depararão com clientes que relatam episódios passados no cyberspace. Entender os efeitos dessas mídias em seus usuários é cada vez mais necessário.
Afinal, a Internet vicia? Computadores têm o poder de deixar crianças mais inteligentes? A atual geração tem deficit de atenção por conta do dinamismo inebriante das mídias interativas? As pessoas ficam mais sociáveis ou reclusas quando se tornam internautas? Essas e outras questões agora fazem parte da pauta de qualquer profissional de Psicologia que lide com clientes internautas.
Como dito anteriormente, os primeiros efeitos estudados do uso dos computadores foram sobre problemas ortomusculares (tendinite, LER, DORT etc.). Mesmo que a ênfase ergonômica pareça ter sumido, a patologia parece ainda ser o foco de análise sobre a Internet: preocupa a tese de que ela faça mal.
Hoje, a discussão mais comum sobre essa "cyberpatologia" é o suposto vício na Internet (net addiction), ainda mais no Brasil, país campeão em horas de permanência on-line. Há internautas que passam diversas horas plugados, comunicando, relacionando-se, criando suas identidades ou em meio a diversões como jogos e comunidades de entretenimento. Especialmente os adolescentes costumam relatar casos de namoros, traições, intrigas e tantas outras tramas que ocorrem por meio de mensagens de celular, recados no Orkut, recados em blogs e e-mails.
"A IHC É MULTIDISCIPLINAR: SOCIÓLOGOS, PSICÓLOGOS, ENGENHEIROS DE SOFTWARE, DESIGNERS FAZEM PARTE DESSA INICIATIVA"
A possibilidade de as mídias interativas serem ansiogênicas não foi descartada. Como resultado de sua velocidade e grande volume de informações, a Internet pode ter o efeito de tornar seus usuários hipervigilantes, obcecados, ansiosos. Aliado a isso, ela poderia tornar outras formas de mídias desinteressantes porque seriam estáticas e "lentas", como livros, jornais, revistas etc. Os internautas seriam menos capazes de concentrar-se em atividades não-digitais, segundo alguns autores.
Mas nem toda discussão sobre os efeitos da Internet gira em torno de transtornos. Também há quem defenda que, por estimular a comunicação de forma interativa, ela também desenvolve o raciocínio lógico e mesmo a sociabilidade. Jogos eletrônicos, por exemplo, poderiam treinar habilidades relacionadas à motricidade fina e velocidade de resposta. Aquilo que muitos pais pensam pode ser verdade: crianças que cresceram em um mundo com Internet podem ser intelectualmente diferentes, de alguma forma, das gerações anteriores, o que poderia demandar novas formas de ensino escolar.
O FOCO INTERACTION Como as pessoas interagem com as novas mídias? Talvez os relacionamentos virtuais tenham sido o início dessa discussão. Há inúmeras pessoas que se apaixonaram, praticam sexo ou fazem juras de amor muitas vezes sem jamais terem se encontrado. Por meio de chats, instant messengers (mensagens instantâneas) e de sites de relacionamento, muitas pessoas encontram pares, apesar de a prática ter mudado desde o início da Internet até hoje. Os relacionamentos virtuais passaram a ser mais realistas: ocorrem em geral entre pessoas que moram próximas ou que, de algum modo, podem vir a se conhecer presencialmente. Como todas as formas de relacionamento virtual, não são reais, mas são realizáveis.
Também evoluiu a Terapia à Distância. Enquanto a Medicina comemora o sucesso dos diagnósticos e tratamentos feitos por meio de um computador, a Psicoterapia à distância ainda está em fase de testes. Uma das pioneiras da área, a britânica Kate Hudson ainda é cautelosa com as aplicações. No Brasil, como já mencionado, ela pode ser realizada apenas em um setting de pesquisa.
A polêmica ainda está no ar: é possível criar um vínculo terapêutico de qualidade por meio de uma comunicação digital? Recursos assíncronos como e-mails ou síncronos como web-conference são, ambos, eficazes? Nos assuntos tocantes à terapia à distância ainda há mais perguntas que respostas e mais pesquisadores do que casos de sucesso.
Se por um lado a terapia à distância permanece nebulosa, por outro o E-Learning já não deixa mais dúvidas: veio para ficar. A educação à distância é, de longe, a aplicação mais desenvolvida na web. Para os profissionais de Recursos Humanos, o filão de mercado é mesmo grande: treinamento à distância, universidades corporativas, ambientes virtuais de ensino, coaching, orientação profissional, recrutamento e seleção à distância etc. Todas essas atividades já se encontram regulamentadas e em pleno vapor. Indicadores recentes atestam, inclusive, o aumento da qualidade do ensino à distância no Brasil, aliado também à grande distribuição pelo território nacional.
Como capítulo especial do sucesso corporativo do E-Learning, destacam-se as pesquisas feitas em torno das comunidades virtuais de aprendizagem. Tais comunidades podem variar desde fãs da Ferrari que se reúnem no Orkut para trocar figurinhas até verdadeiros centros não-presenciais de estudos que formam profissionais. Os processos psicossociais que ocorrem no cyberespaço mal começaram a ser estudados ainda. A Psicologia Social parece ter muito a ganhar se debruçando sobre a Internet.
O FOCO COMPUTER Quando os computadores eram usados apenas por cientistas, ninguém se preocupava com a complexidade do uso ou se os programas eram "amigáveis" com seus usuários. Porém, quando toda essa tecnologia ficou acessível às massas e o Personal Computer se tornou algo popular, então tais produtos passaram a exigir design (trabalho estético e funcional do produto). A Usabilidade entrou em cena. Ela pôde ser entendida como a medida de quão eficaz e eficiente é o uso da interface de um sistema. Filha adolescente da Ergonomia, que por sua vez cuidava de objetos e ambientes físicos no contexto de Design Industrial, a Usabilidade é uma parte da IHC que objetiva tornar os sistemas adaptados aos usuários.
Você pode estar se perguntando: "E como o psicólogo entra nessa de Usabilidade?". Na verdade o psicólogo é o profissional mais bem equipado para essa disciplina uma vez que ele tem por competências a observação do comportamento, a realização de pesquisa de campo e experimentais com seres humanos, a prática de diversas formas de entrevistas, técnicas de dinâmica de grupo e tantos outros saberes indispensáveis à gestão de Usabilidade. Como exemplo, basta citar a grande quantidade de psicólogos que trabalha para otimizar interfaces de softwares da Microsoft.
Outro ponto interessante do foco Computer é o desenvolvimento de instrumentos profissionais em Psicologia. Figuram no topo da lista, os testes psicológicos adaptados a plataformas digitais. Por exemplo, softwares que corrigem planilhas de respostas do teste projetivo Rorschach (que consiste na avaliação subjetiva de manchas de tintas, onde as respostas do avaliando serão traduzidas em índices) e ajudam na elaboração dos resultados do teste (a obtenção matemática dos índices do teste é um trabalho duro e repetitivo que o computador pode assumir sem prejuízos).
"ENQUANTO A MEDICINA COMEMORA A AJUDA DO COMPUTADOR NOS DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS, A TERAPIA À DISTÂNCIA PERMANECE EM TESTES"
Também entram em cena, novos testes sendo desenvolvidos para uso exclusivo nessas plataformas, como os de Neuropsicologia. Além dos testes psicométricos e projetivos, psicólogos têm desenvolvido formas de criar e aplicar questionários on-line, bem como aplicativos para banco de dados em Clínica.
O desenvolvimento de produtos por psicólogos não se limita à própria Psicologia. Ambientes de ensino, jogos e tantos outros sistemas começam a ser aceitos por equipes multidisciplinares que contam com um profissional psi no efetivo. (Eu mesmo já atuei dois anos como Game Designer).
O FUTURO DA IHC O perímetro da IHC para psicólogos foi ainda pouco explorado no Brasil. Falta muito na agenda: regulamentar a terapia à distância, desenvolver formas de avaliação criteriosas integradas a novas tecnologias, criar e disponibilizar ao público diversos bancos de dados informatizados, deliberar prescrições éticas para práticas virtuais etc.
Trata-se de um trabalho que requer dedicação e senso de profissionalismo. Os estudantes e profissionais, hoje interessados, possuem todas as condições de ser os pioneiros desse novo setor profissional. Que o futuro comece agora!